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Lá atrás, em 2004, o diretor Michel Gondry lançou o filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, que narra a história de um casal que decide superar a tristeza do rompimento passando por um procedimento científico que apaga suas lembranças.

Mas será que na vida real a gente conseguiria apagar uma lembrança ruim, sem que isso implicasse no uso de uma tecnologia maluca?

A primeira coisa que a gente precisa entender é que nossas lembranças não são puras e auto-suficientes. Na verdade, quando a gente se lembra de algo do nosso passado, essa memória é na verdade um amontoado de detalhes sensoriais e narrativos que se misturam.

Tente lembrar, por exemplo, de um dia bacana que você vivenciou quando era criança. Você não terá apenas alguns flashes do que rolou naquele dia, mas é como se você conseguisse sentir novamente os cheiros, os sabores e sensações que você vivenciou ali. O mais interessante é que se hoje, passado tanto tempo, você sentir aquele cheiro, sabor ou sensação novamente, é provável que o seu cérebro desperte a lembrança daquele dia.

Segundo Ed Cooke, criador do app Memrise e autor do livro Remember, Remember: Learn the Stuff You Thought You Never Could (Lembre-se, Lembre-se: Aprenda Coisas que Você Pensou que Nunca Conseguiria, em tradução livre), uma lembrança é inseparável de seu contexto. Isso significa que quanto mais elementos você usa para contextualizar uma lembrança, mais provável é que ela permaneça.

Mas e se em vez de querer lembrar alguma coisa, eu quiser esquecer? Em um estudo recente, publicado no jornal Psychonomic Bulletin and Review, um grupo de psicólogos aplicou essa teoria ao contrário, ou seja, fez com que os participantes esquecessem o máximo de detalhes relacionados para, consequentemente, apagarem uma lembrança.

Durante o experimento, os participantes memorizaram duas listas diferentes de palavras, junto com imagens de paisagens externas. Um grupo foi orientado a lembrar da primeira lista antes que eles visualizassem a segunda, enquanto outro grupo foi orientado a esquecer as palavras que eles já tinham memorizado. Os pesquisadores, então, colocaram os participantes em máquinas de ressonância magnética e pediram a eles que recitassem as palavras de cada lista.

Quando eles começaram com a primeira lista, os membros do grupo orientado a esquecer mostrou significativamente menos atividade nas partes do cérebro que processam imagens, indicando que eles poderiam esquecer tanto as palavras quanto as imagens.

Ed Cooke explica que o que os pesquisadores observaram é que o cérebro que tenta se lembrar mantém ativo o contexto mental que estava presente durante o aprendizado. Por outro lado, o cérebro que tenta esquecer descarta o contexto, deixando de lado o andaime mental que provavelmente apoiou, a princípio, a construção destas lembranças. Em resumo, é como se você intencionalmente expulsasse de sua mente pensamentos da sua avó cozinhando, se você não quer pensar nela naquele momento.

Esquecer pode ser bom. Isso ajuda as pessoas a abrir mão das lembranças de experiências dolorosas ou traumáticas, ou ainda se livrar de informações inúteis para abrir espaço para coisas mais importantes. Mas é preciso deixar claro que este estudo não significa que é possível fazer algum tipo de truque no estilo de Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças.

Na prática, lembranças traumáticas ou altamente emocionais são guardadas de uma forma diferente dos fatos e experiências do dia a dia. E durante o experimento, os voluntários memorizaram suas palavras em um ambiente sem grandes informações sensoriais que pudessem ajudar na contextualização da lembrança.

Ainda assim, este estudo é mais um importante passo para nos ajudar a entender a melhor forma de esquecermos aquilo que não precisamos e nos lembrarmos daquilo que realmente precisamos.